Natural de Gentio do Ouro, empresário de mapas sobrevive à era do GPS
Fonte: Por Décio Galina, colaboração para o TAB, de São Paulo - Imagens: Fernando Moraes/UOL
- Conheça a trajetória empreendedora do senhor Aloísio de Figueiredo Rocha, de 77 anos. Ele é sobrinho do saudoso Epaminondas Rocha, uma das figuras mais importantes da política de Gentio do Ouro -
Mesmo com a proliferação de Google Maps, GPS e celulares potentes para determinar posição geográfica no globo via satélite, não teve jeito: os mapas físicos seguem vivos e à venda nas ruas do Brasil.
O número de vendedores ambulantes é bem menor do que víamos no passado, mas o fato é que eles resistiram aos avanços digitais graças ao trabalho de Aloísio de Figueiredo Rocha, 77, baiano de Gentio do Ouro.
Em São Paulo desde a segunda metade da década de 1960, Aloisio fundou a Multimapas em 1992, com fábrica própria em Santo André desde 1994.
Ao portal Meio Minuto, sem precisar a data, o senhor Aloísio falou do desejo de passear na cidade natal para rever amigos e familiares.
Hoje, edita mensalmente 20 mil mapas distribuídos em todos Estados brasileiros — sendo o Nordeste o campeão de vendas, com Ceará, Pernambuco e Bahia na liderança.
- "Até o final dos anos 1990, por volta de 1998, eram dez marcas grandes que disputavam o mercado", lembra o empresário.
- "Então, com o advento da internet, elas começaram a fechar; com a entrada dos anos 2000 e as novas descobertas digitais foram, uma a uma, desistindo. Sou a última sobrevivente entre as grandes empresas do setor. E sabe por quê?".
Por quê, Aloísio?
- "Porque nunca acreditei muito nesses avanços. Achava — e continuo achando — que uma telinha de celular não substitui um mapa lindo, com mais de um metro de comprimento."
Os maiores mapas fabricados por Aloísio medem mais de três por dois metros, como um Estado de São Paulo, de 3,30 por 2,20 metros.
O grosso das vendas, no entanto, está entre os 200 títulos diferentes de mapas de 1,20 por 0,90 m.
Além dos mapas geográficos, a Multimapas produz cerca de 100 títulos de mapas de anatomia, com o corpo humano inteiro e segmentados por órgãos e por sistemas.
No começo da pandemia, Aloisio lançou o mapa do coronavírus. O item mais vendido é mapa-múndi, com bandeiras de todos os países. A versão de 2022 já vem atualizada com a nova bandeira do Afeganistão, que agora traz o retângulo branco com uma inscrição em preto, do Talebã.
Como tudo começou
A paixão por mapas começou ainda na Bahia, em uma fase da juventude de Aloísio desfrutada em Xique-Xique. Ele devia ter seus 15 anos.
Era início da década de 1960. Pelo rádio, ele e os amigos escutavam as notícias de uma guerra no Oriente Médio e ficaram intrigados para saber onde ficava Israel exatamente, já que era tão comentado.
- "A gente descobriu um atlas em uma livraria e achou Israel ali. Daí, conforme aconteciam os desdobramentos da guerra com outros países, a gente voltava e emprestava de novo o atlas", recorda.
- "Até uma hora que o dono da livraria falou que a gente tinha que comprar, pois estava usando muito. Fizemos uma vaquinha e levamos. Fiquei encantado com os mapas".
Aos 22 anos, foi convidado por um amigo mascate a vir para São Paulo, onde faria compras para revender no Nordeste. Na ocasião, Aloísio já tinha um negócio próprio: uma pequena venda de produtos de primeira necessidade com feijão, farinha, açúcar, querosene e bebidas. "Meu sonho era conhecer São Paulo."
- "Lembro que chegamos por Santos e subimos a serra em um trem puxado por cabo, subia devagar, uma delícia, uma vista maravilhosa da mata, das cachoeiras. Como é que pode não existir mais esse trem?" Não sei, Aloísio, também acho o fim da picada. "É o progresso do regresso", filosofa o empresário.
Quando chegou a hora de o amigo mascate voltar para a Bahia, Aloísio percebeu que já estava hipnotizado por São Paulo — não queria mais retornar. Buscou, então, apoio de um tio que morava na Pedreira, zona sul da capital.
No ano seguinte, estava empregado na Semp (rádio e televisão), que ficava na avenida João Dias, em Santo Amaro, como ajudante geral.
Ele recorda que o primeiro mapa que comprou em São Paulo foi um do Brasil; depois, um da Bahia.
- "São parecidos, e tem gente que confundia um com o outro", comenta.
- "Também reparei que estava errado dizer que a gente era 'nortista'. Na verdade, quem vem da Bahia é nordestino."
Recordações
Na Copa de 1970 (México), Aloísio lembra com detalhes de um mapa do Brasil que começou a fazer sucesso nas ruas.
Segundo o empresário, o mapa com as divisões políticas dos estados e a bandeira nacional trazia também fotos de Pelé e do presidente Emílio Garrastazu Médici, o terceiro da ditadura militar que se instaurou no país após o Golpe de 1964.
- "Mostrava as nossas milhas náuticas, a Amazônia legal, a Base Aérea de Anápolis (para receber os caças franceses Mirage), muito bonito. Comprei um e depois quis saber onde conseguia outros para vender."
Foi assim que conheceu a Big Mapas, que ficava na rua Xavier Toledo, 44, segundo andar, e virou vendedor.
- "Eu já conhecia o mapa, gostava de mapa de um modo geral, então, me destaquei nas vendas. Em dois meses, o dono do lugar me promoveu a chefe dos vendedores e passei a ensinar como vender mapas."
No ano seguinte, de acordo com o Aloísio, a empresa teve dificuldades ao ter uma edição inteira de mapas recolhidos pelos militares por causa de um erro que deixava uma cidade boliviana dentro dos domínios brasileiros.
Aloísio seguiu para outra empresa, a Geomapas, onde entrou em 1972 e ficou até o início dos anos 1990.
- "Notei que o filho do dono não estava muito disposto a seguir no ramo. Achei que estava chegando a hora de ter o meu próprio negócio."
Incêndio devastador
Com bom domínio do setor, Aloísio funda a Multimapas, em 1992, na rua Capitão Salomão, próximo ao Anhangabaú. Em 2014, a empresa muda de endereço, vai para a rua Antonio Godoi e, quatro anos mais tarde, o incêndio de proporções dramáticas ocorrido em 1ª de maio de 2018 no Largo do Paissandu atinge o escritório de Aloísio e põe fogo em mais de dois mil mapas, além de arquivos de computador com desenhos que nunca mais seriam recuperados.
- "Aconteceu de madrugada, eu estava em casa, em Santo André. Um amigo insone estava vendo televisão e começou a me ligar para avisar. Cheguei lá e não deu para salvar nada."
Um pequeno estoque na fábrica de Santo André, no bairro de Jaçatuba, em frente ao Esporte Clube Santo André (um sobrado de três andares que também funciona como residência), foi a salvação para retomar aos poucos os negócios. Clientes antigos e fiéis foram fundamentais para pôr a Multimapas de novo nos trilhos.
O escritório voltou à rua Capitão Salomão. Aloísio já perdeu as contas de quantos vendedores ambulantes trabalham para ele. Metade de seu volume de vendas chega por telefone: atacadistas, papelarias, livrarias e hotéis; 30% é o que representa o movimento de ambulantes e vendedores que chegam de ônibus de outros Estados ("a gente entrega onde eles estacionam os ônibus, no Pari.") e só 20% é o que chega por contatos via internet.
Em tempos em que o comércio online ganha cada vez mais espaço, Aloísio preza a prosa, gosta de ouvir clientes e conversar com os ambulantes e espera que a venda de mapas ganhe força com a retomada do turismo nas cidades.
Pai de um advogado de 46 anos e avô de Heitor, de 3 anos, o empresário tem o caçula Arthur, de 12 anos, do seu segundo casamento. Ele aposta que as novas gerações podem sim se interessar por mapas de papel.
- "Abrir um mapa para esclarecer uma dúvida leva a uma nova curiosidade. A gente sempre quer ir mais longe quando tem um mapa nas mãos."
Veja mais notícias da região de Irecê no Portal Meio Minuto.
- Conheça a trajetória empreendedora do senhor Aloísio de Figueiredo Rocha, de 77 anos. Ele é sobrinho do saudoso Epaminondas Rocha, uma das figuras mais importantes da política de Gentio do Ouro -
Mesmo com a proliferação de Google Maps, GPS e celulares potentes para determinar posição geográfica no globo via satélite, não teve jeito: os mapas físicos seguem vivos e à venda nas ruas do Brasil.
O número de vendedores ambulantes é bem menor do que víamos no passado, mas o fato é que eles resistiram aos avanços digitais graças ao trabalho de Aloísio de Figueiredo Rocha, 77, baiano de Gentio do Ouro.
Em São Paulo desde a segunda metade da década de 1960, Aloisio fundou a Multimapas em 1992, com fábrica própria em Santo André desde 1994.
Ao portal Meio Minuto, sem precisar a data, o senhor Aloísio falou do desejo de passear na cidade natal para rever amigos e familiares.
Hoje, edita mensalmente 20 mil mapas distribuídos em todos Estados brasileiros — sendo o Nordeste o campeão de vendas, com Ceará, Pernambuco e Bahia na liderança.
- "Até o final dos anos 1990, por volta de 1998, eram dez marcas grandes que disputavam o mercado", lembra o empresário.
- "Então, com o advento da internet, elas começaram a fechar; com a entrada dos anos 2000 e as novas descobertas digitais foram, uma a uma, desistindo. Sou a última sobrevivente entre as grandes empresas do setor. E sabe por quê?".
Por quê, Aloísio?
- "Porque nunca acreditei muito nesses avanços. Achava — e continuo achando — que uma telinha de celular não substitui um mapa lindo, com mais de um metro de comprimento."
Os maiores mapas fabricados por Aloísio medem mais de três por dois metros, como um Estado de São Paulo, de 3,30 por 2,20 metros.
O grosso das vendas, no entanto, está entre os 200 títulos diferentes de mapas de 1,20 por 0,90 m.
Além dos mapas geográficos, a Multimapas produz cerca de 100 títulos de mapas de anatomia, com o corpo humano inteiro e segmentados por órgãos e por sistemas.
No começo da pandemia, Aloisio lançou o mapa do coronavírus. O item mais vendido é mapa-múndi, com bandeiras de todos os países. A versão de 2022 já vem atualizada com a nova bandeira do Afeganistão, que agora traz o retângulo branco com uma inscrição em preto, do Talebã.
Como tudo começou
A paixão por mapas começou ainda na Bahia, em uma fase da juventude de Aloísio desfrutada em Xique-Xique. Ele devia ter seus 15 anos.
Era início da década de 1960. Pelo rádio, ele e os amigos escutavam as notícias de uma guerra no Oriente Médio e ficaram intrigados para saber onde ficava Israel exatamente, já que era tão comentado.
- "A gente descobriu um atlas em uma livraria e achou Israel ali. Daí, conforme aconteciam os desdobramentos da guerra com outros países, a gente voltava e emprestava de novo o atlas", recorda.
- "Até uma hora que o dono da livraria falou que a gente tinha que comprar, pois estava usando muito. Fizemos uma vaquinha e levamos. Fiquei encantado com os mapas".
Aos 22 anos, foi convidado por um amigo mascate a vir para São Paulo, onde faria compras para revender no Nordeste. Na ocasião, Aloísio já tinha um negócio próprio: uma pequena venda de produtos de primeira necessidade com feijão, farinha, açúcar, querosene e bebidas. "Meu sonho era conhecer São Paulo."
- "Lembro que chegamos por Santos e subimos a serra em um trem puxado por cabo, subia devagar, uma delícia, uma vista maravilhosa da mata, das cachoeiras. Como é que pode não existir mais esse trem?" Não sei, Aloísio, também acho o fim da picada. "É o progresso do regresso", filosofa o empresário.
Quando chegou a hora de o amigo mascate voltar para a Bahia, Aloísio percebeu que já estava hipnotizado por São Paulo — não queria mais retornar. Buscou, então, apoio de um tio que morava na Pedreira, zona sul da capital.
No ano seguinte, estava empregado na Semp (rádio e televisão), que ficava na avenida João Dias, em Santo Amaro, como ajudante geral.
Ele recorda que o primeiro mapa que comprou em São Paulo foi um do Brasil; depois, um da Bahia.
- "São parecidos, e tem gente que confundia um com o outro", comenta.
- "Também reparei que estava errado dizer que a gente era 'nortista'. Na verdade, quem vem da Bahia é nordestino."
Recordações
Na Copa de 1970 (México), Aloísio lembra com detalhes de um mapa do Brasil que começou a fazer sucesso nas ruas.
Segundo o empresário, o mapa com as divisões políticas dos estados e a bandeira nacional trazia também fotos de Pelé e do presidente Emílio Garrastazu Médici, o terceiro da ditadura militar que se instaurou no país após o Golpe de 1964.
- "Mostrava as nossas milhas náuticas, a Amazônia legal, a Base Aérea de Anápolis (para receber os caças franceses Mirage), muito bonito. Comprei um e depois quis saber onde conseguia outros para vender."
Foi assim que conheceu a Big Mapas, que ficava na rua Xavier Toledo, 44, segundo andar, e virou vendedor.
- "Eu já conhecia o mapa, gostava de mapa de um modo geral, então, me destaquei nas vendas. Em dois meses, o dono do lugar me promoveu a chefe dos vendedores e passei a ensinar como vender mapas."
No ano seguinte, de acordo com o Aloísio, a empresa teve dificuldades ao ter uma edição inteira de mapas recolhidos pelos militares por causa de um erro que deixava uma cidade boliviana dentro dos domínios brasileiros.
Aloísio seguiu para outra empresa, a Geomapas, onde entrou em 1972 e ficou até o início dos anos 1990.
- "Notei que o filho do dono não estava muito disposto a seguir no ramo. Achei que estava chegando a hora de ter o meu próprio negócio."
Incêndio devastador
Com bom domínio do setor, Aloísio funda a Multimapas, em 1992, na rua Capitão Salomão, próximo ao Anhangabaú. Em 2014, a empresa muda de endereço, vai para a rua Antonio Godoi e, quatro anos mais tarde, o incêndio de proporções dramáticas ocorrido em 1ª de maio de 2018 no Largo do Paissandu atinge o escritório de Aloísio e põe fogo em mais de dois mil mapas, além de arquivos de computador com desenhos que nunca mais seriam recuperados.
- "Aconteceu de madrugada, eu estava em casa, em Santo André. Um amigo insone estava vendo televisão e começou a me ligar para avisar. Cheguei lá e não deu para salvar nada."
Um pequeno estoque na fábrica de Santo André, no bairro de Jaçatuba, em frente ao Esporte Clube Santo André (um sobrado de três andares que também funciona como residência), foi a salvação para retomar aos poucos os negócios. Clientes antigos e fiéis foram fundamentais para pôr a Multimapas de novo nos trilhos.
O escritório voltou à rua Capitão Salomão. Aloísio já perdeu as contas de quantos vendedores ambulantes trabalham para ele. Metade de seu volume de vendas chega por telefone: atacadistas, papelarias, livrarias e hotéis; 30% é o que representa o movimento de ambulantes e vendedores que chegam de ônibus de outros Estados ("a gente entrega onde eles estacionam os ônibus, no Pari.") e só 20% é o que chega por contatos via internet.
Em tempos em que o comércio online ganha cada vez mais espaço, Aloísio preza a prosa, gosta de ouvir clientes e conversar com os ambulantes e espera que a venda de mapas ganhe força com a retomada do turismo nas cidades.
Pai de um advogado de 46 anos e avô de Heitor, de 3 anos, o empresário tem o caçula Arthur, de 12 anos, do seu segundo casamento. Ele aposta que as novas gerações podem sim se interessar por mapas de papel.
- "Abrir um mapa para esclarecer uma dúvida leva a uma nova curiosidade. A gente sempre quer ir mais longe quando tem um mapa nas mãos."
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