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LIVRO: MEMÓRIAS DE UM CHÃO

LIVRO: MEMÓRIAS DE UM CHÃO

CAPÍTULO 1

Bertolina e a Ladeira dos Moleques:

Há um tempo atrás li uma crônica que dizia: "Saudade não é falta, saudade é presença imortalizada dentro da gente". Pois bem, em meio a essa grande saudade e com boas e muitas lembrança que estão imortalizadas e que ao mesmo tempo assolam o meu coração por não poder revive-las na forma física, ao passo que, essa mesma saudade, me inspira para que podemos embarcar nas minhas mais relevantes MEMÓRIAS DE UM CHÃO chamado Barriguda.

Começarei com as lembranças de um trecho da estrada vicinal que liga Gentio do Ouro a Barriguda, chamado de Bertolina, que, segundo meus avôs, a muitos anos ali morava um casal, Berto e Lina, e que a junção dos nomes, deu origem ao local, que também é conhecido como Reta. A questão enigmática e extremamente contestável era a origem desses nativos, como alguém poderia se instalar em uma região tão inóspita e de grande escassez de água. De sol forte, calor escaldante e o ar sobre a areia aquecida pelo rais solares emitia bafos em forma de brisa que sopravam um ar quente e desprazeroso. A bem da verdade, essa história não passa de um belo factoide milenar, criado sabe lá por quem, más que veem sendo transmitido oralmente de geração pra geração.

Por lá também teve outros moradores, Seu Agenor com a sua esposa dona Alice e o Seu Antônio Perigo também com a sua cônjuge dona Maria, em verdade e na prática, talvez os únicos, porém, quem eu tive a honra e o privilegio de conhecer foi o grande senhor Perigo, homem negro de estatura alta, barba rala, cabelos pouco esbranquicados e de postura ocifose  ou simplismente corcunda, talvez decorrente do efeito do avançar dos anos.

Ainda hoje, a curiosidade me aguça para saber o real motivo para o afamado apelido que infundia em temor e ameaça a todos que não o conhecia, pois sem sombra de dúvidas, ele não fazia jus a fama da alcunha, pelo contrário, Seu Perigo era um homem de grande coração, tinha humildade e generosidade tão quanto a sua estatura física. De voz mansa, arrastada e pouco anasalada, já demostrava todo o seu nível de paciência e tolerância, nele parecia não existir nenhuma agressividade ante a qualquer adversidade frente as injustiças da vida. 

Até hoje, ao passar em frente ao local onde existia a antiga casa do Seu Perigo, um fato memorável que se reproduzir como um bom e intemporal filme que simplismente explode na minha mente remetendo as recordações das nossas idas ao Gentio do Ouro todas as sextas, quando ao passamos pela moradia do Seu Perigo, buzinar era quase que um ritual obrigatório, essa forma de comunicação também era acompanhada por todos que estavam a bordo, e, que em alto e bom som, gritavam: eeeeeiiiiiiii, Seu Perigo!

Porém, devido a intensidade do vento e a velocidade do carro, não era possível ouvi-lo, más, em meio a vegetação, embalado ao sobe e desse do carro ao passar pelos murundus e por trás de uma vasta e espessa cortina de poeira, era possível enxerga-lo em um leve e demorado aceno com o braço que consistia no levantar da mão direita em repetidos movimentos dos dedos em riste para um lado e para outro. A cena se perdia na sinuosidade da estrada.

De solo muito arenoso, isso devido mais ao da enxurrada, com vasta extenção de areia solta em quase todo o trecho, algo que dificultava o acesso dos veículos. Era quase impossível passar pela Bertolina e não sentir o aroma do Alho Bravo, uma planta nativa muito predominante na região e que minha avó utilizava para fins medicinais. Ela dizia que a raiz do Alho Bravo quando fervida, além de  outros benefícios, era eficaz também no combate aos efeitos gripais, porém, havia quem contestasse o real efeito e a eficiência da erva, eu sei apenas que o gosto ruim era uma unanimidade. Um fato curioso e intrigante era o sabor indesejável na carne bovina causada pelo Alho Bravo ao ser consumida pelos animais.

A Bertolina também era um dos principais canteiros nativos, principlamente de frutas silvestres, a exemplo do Cambuí, Macaca, Murici e a tão desejada Guabiraba - por lá inclusive, era possível encontrar mata a dentro a Guabiraba preta, que é bem mais adocicada que a amarela. 

Por fim, a extensão da longa planície terminava com uma grande e elevada Ladeira, talvez o ponto mais alto de toda a estrada, conhecida como a Ladeira dos Moleques ou da Reta, respeitada e temida, sempre foi um grande desafio para os motoristas, devido ao seu grande relevo íngreme.

O meu pai, abordo da sua Rural Willys ano 1962 de cor azul com faixa branca, transmissão de câmbio com 5 machas posicionado na lateral superior esquerda do lado do motorista, movida a gás de cozinha, tendo o botijão instalado na traseira e dentro de um recipiente feito de pneu e cheio de água que era aquecida por pequenos dutos improvisados que saiam da descarga e que eram responsáveis por manter a água sempre aquecida em temperatura suficiente para que o botijão não congelasse, para assim, não interferir no desempenho e funcionamento do motor. 

A velha, surrada e cançada Rural cheia de ferrugem que se espalhava pelas laterias, traseira e quase toda a parte da frente, que com os seus pneus carecas de bordas ressecadas devido a borracha envelhecida e também ao efeito do gás de cozinha, utilizado pelo meu pai como forma alternativa para calibrar os pneus. Porém, ainda assim, não gerava qualquer empecilho para que ela com o seu limite de passageiros não pudesse transpor o calçamento com pedras abruptas e tão escorregadias como se estivesse revestido de puro e esverdeado lodo. Além disso, o cascalho solto semeado em um longo trecho, tirava toda e qualquer aderença dos veículos e sugeria uma velocidade acima da mádia e uma grande destreza dos motoristas, além de uma boa potência dos carros. Passar pela Ladeira da Reta, era um verdadeiro misto de emoção, adrenalina e medo, tanto na subida quando na descida.

Obra ainda em fase de conclusão. Todos os direitos reservados.

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